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Recuperação judicial

Recuperação judicial

Brasil registra o maior número de pedidos de recuperação judicial dos últimos 10 anos em 2015

FONTE: Revista da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos (RS)

Roberto Frota Decourt, Doutor em Administração pela UFRGS, Professor da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos.

Desde a entrada em vigor da nova Lei de Falências, em junho de 2005, nunca houve um ano com tantos pedidos de recuperação judicial como 2015. Segundo levantamento realizado pela Serasa Experian, foram 1.287 pedidos de recuperação judicial em 2015, número esse, 55,4% maior do que os 828 pedidos realizados em 2014.
A recuperação judicial é uma maneira de permitir que a empresa que não tem capacidade de honrar suas dívidas, evite a sua falência e, assim, permitir que ela tenha um fôlego para se reestruturar criando condições de manter suas atividades e empregos. Normalmente a decisão de pedido de recuperação judicial é dolorosa e tardia. Esta opção traz a sensação de fracasso dos empresários e é a última tentativa de manter a empresa em operação.
Justamente por ser uma decisão difícil, é adiada ao máximo, o que reduz muitas vezes a chance de reverter o processo de deterioração da saúde financeira da empresa. Normalmente, ela enfrentou essa deterioração por vários meses, ou mesmo anos antes de alcançar o estágio quase terminal, que a leva a recuperação judicial.

Plano de reestruturação

Diferente do que acontecia na concordata, que era concedida pelo juiz sem a participação dos credores, na recuperação judicial a empresa deve apresentar aos credores e à Justiça o seu plano de reestruturação. Ela precisa demonstrar que pode se tornar economicamente viável e honrar suas dívidas com os credores.
Na concordata, os credores eram obrigados aceitar um congelamento da dívida em um processo que poderia atender mais o interesse dos proprietários da empresa do que os interesses da empresa e credores. Isso mudou com a instituição da recuperação judicial e a efetiva participação dos credores no processo. Os credores ainda podem aceitar uma redução da dívida e alongamento da mesma para viabilizar o plano, mas para a recuperação judicial ser aceita o plano deve ser justo, factível e ter credibilidade. Se não convencer credores e juízes de que a empresa irá ser viável após sua reestruturação, o plano pode não ser aceito e a falência da empresa será decretada.

Diagnóstico e estratégia de recuperação

O primeiro passo é um completo diagnóstico das áreas financeira e operacional da empresa, analisando seus passivos, capacidade de geração de caixa e unidades de negócios que possam gerar valor. O momento de realizar este diagnóstico e iniciar o processo de reestruturação é fundamental, pois uma empresa em crise pode deteriorarse muito rapidamente, e muitas vezes, o que separa uma empresa recuperável de uma empresa definitivamente quebrada são apenas poucos meses.
Caso exista a possibilidade de recuperação da empresa, o primeiro passo é desenhar a estratégia de recuperação, envolvendo todos os setores: produção, marketing, vendas, administrativo e financeiro. Essa ação define todas as medidas a serem tomadas para a total reestruturação da empresa, e estabelece o cronograma de pagamento dos débitos existentes. Para isso, é estimado um fluxo de caixa da empresa reestruturada, que necessariamente deve ser positivo antes das amortizações das dívidas com os credores, pois se não for possível tornar o fluxo de caixa positivo, não resta outra alternativa que não a falência da empresa.

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Honrar as obrigações

Tendo o plano de reestruturação bem realizado, a etapa seguinte é convencer os credores da viabilidade deste plano, o que exige credibilidade por parte da empresa. Isso, muitas vezes, é difícil, pois quando a empresa chega ao ponto de pedir recuperação judicial, as relações da empresa com bancos e fornecedores, normalmente, estão bastante fragilizadas após diversas promessas não cumpridas por parte da empresa.
Nesta situação, é fundamental que os proprietários, durante o período de recuperação, não retirem nem um único centavo da empresa em forma de benefícios ou remuneração. O empresário pode ter o sentimento de que a empresa tem obrigação de remunerá-lo e está correto, pois o investimento e anos de trabalho na empresa merecem ser recompensados. A atividade empresarial, no entanto, é de risco e os proprietários devem ficar em último lugar na fila de pagamentos. Após a empresa honrar suas obrigações com funcionários, fornecedores, bancos financiadores, Governo e até mesmo as próprias necessidades de investimento da empresa, as sobras podem ser destinadas aos proprietários. Sobras estas, que não existem durante o processo de recuperação judicial.
Dificilmente um credor iria aceitar um plano que envolvesse sacrifícios e perdas por parte dos credores e remuneração daqueles que conduziram a empresa à situação falimentar. Independente se esta situação foi consequên cia de má gestão ou de deterioração do mercado como um todo.

Definindo grupos de credores

O segundo aspecto importante no processo é definir muito bem os grupos de credores e caracterizar por que cada um foi incluído em cada grupo. As condições de pagamento oferecidas devem ser exatamente iguais para os credores de um mesmo grupo. Não se pode privilegiar nenhum credor, mas é importante identificar diferenças entre eles.
Aos bancos, em geral, são impostos os maiores sacrifícios, pois o financiamento é sua atividade fim e o risco de inadimplência é considerado no custo de seus empréstimos. Os fornecedores são fundamentais para a continuidade da empresa, pois sem eles, provavelmente a empresa não terá condições de continuar operando e assim tornar factível o plano de recuperação. Além disso, oferecer crédito não é a atividade fim do fornecedor, portanto, estes precisam de condições mais favoráveis de pagamento.
Ainda em relação aos fornecedores, provavelmente, haverá alguns grandes fornecedores que representam a maioria do débito e muitos pequenos, que representam uma pequena parcela. Esses valores, no entanto, são relevantes para o pequeno fornecedor. Desta forma, é justo dividir os fornecedores em dois ou até três grupos com diferentes condições de pagamento.

Processo mais claro

Há ainda a questão dos funcionários, que precisa ser pensada. Esta sempre foi uma parte intrincada na recuperação judicial; mas desde 2015, quando a Procuradoria Geral da Fazenda regulamentou a Lei 13.043/2014 que permite o parcelamento da dívida com o fisco em até 84 meses para as empresas em recuperação judicial, tornou o processo mais claro. Desta forma, tendo um plano de recuperação factível, transparente e justo, a possibilidade deste ser aceito é enorme, pois a falência da empresa não interessa a nenhum dos credores e tão pouco à sociedade. Talvez seja de interesse da concorrência, mas não é ela que decide sobre a aceitação ou não do plano proposto.
Todavia, como foi posto antes, o tempo é uma variável fundamental no sucesso, ou não do plano de recuperação da empresa. Desta forma, o quanto antes se detectar a necessidade de reestruturação da empresa e tomar a decisão de elaborar um plano a ser apresentado aos credores, maior a chance de sucesso.
Por fim, o plano de recuperação pode ser elaborado e apresentado aos credores antes mesmo do pedido de recuperação judicial. Assim ele pode ser colocado em prática de maneira rápida e extrajudicialmente, pois nada impede a empresa de negociar diretamente com seus credores sem a necessidade de mais um envolvido, no caso o juiz.

Para saber mais:
  1. Recuperação Judicial – Um Guia Descomplicado Para Empresários , Executivos. Artur Lopes, Luidg Uchoa. Editora Evora, 2013.
  2. SOUSA, Douglas Cavallini de. Os avanços da nova lei de falências. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 52, abr 2008. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2724.
  3. Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência – Teoria e Prática. Luis Felipe Salomão, Paulo Penalva Santos. Editora Forense, 2012.